Há dez anos viajava para Londres, que me acolhia na aventura que tinha decidido traçar longe de casa. Tinha-me mudado em Outubro, para tirar um curso que ficou pendurado e que só anos depois terminei, de volta à minha cidade dos arcebispos.Viajava há dez anos porque regressava do primeiro Natal de saudade, para terminar o ano na cidade grande que me acolheu e que me aturdia de um profundo sentimento de formiguez.
Formiguez eram várias coisas ao mesmo tempo que estar na capital do Reino Unido me fazia sentir: ser formiga de tão pequena no meio de tanta gente; o formigueiro que me causava quando dava por mim a pensar em Braga e em como consegui ir ali parar e ainda formiga pela construção diária, passo a passo, de uma vida muito minha e muito diferente da que conhecia até ali.
Viajava há dez anos com a Mary Jane, que decidiu vir comigo a Londres para a passagem de ano. Como praticamente todos os momentos que ainda passamos juntas, a viagem foi de muitas gargalhadas e histórias que ficam para contar e recontar para sempre. Dez anos passaram desde o dia 31 em Westminster, a ouvir as badaladas da meia-noite no Big Ben e a sonhar com a vida cujas portas se abriam para mim ali, com promessas de um futuro cheio de formiguez e conquistas nunca antes imaginadas.
quarta-feira, dezembro 28, 2016
sexta-feira, agosto 26, 2016
O som dos grilos
Há-os tranquilos, pacíficos. Há-os agitados, com horas insuficientes. Há-os pacatos, preguiçosos. Há-os felizes, esperançosos. Há-os também tristes, abandonados e sem brilho nos olhos. Assim são os dias, no geral, numa soma desigual que acumula muitos meses e, num sopro, alguns anos.
Costumo pensar muitas vezes na noção do tempo e no diferente tratamento que lhe damos. Depende do estado de espírito, e do estado de cabeça. Quando somos novos, com o mundo à nossa espera, cheios de coisas por inventar, é penoso perceber que dez anos parecem demorar uma vida inteira.
Mas os dez a seguir já demoram metade do tempo, e já há uns anos que entendi que a terceira parte é a que custa mais. Para mim, esta terceira fase foi, ao mesmo tempo, imperceptível e, no geral, em tom de balanço, extremamente aborrecida.
É verdade que lembro momentos e estações inteiras que me trouxeram muitas aventuras e sorrisos, que me fazem voltar à ideia de que vivo presa no passado para sempre, porque só consigo absorver por completo as experiências olhando-as depois, como se fizesse uma revisão para colocar tudo no devido sítio.
quinta-feira, julho 21, 2016
Feliz dia do nascimento
Queria dizer-lhe que dias como hoje quase parecem novos dias. Eu explico. Como se tivesse adormecido num sono muito longo e acordasse, enfim, e tudo tinha mudado - mas não o suficiente. Nesse sono longo muito foram pesadelos terríveis e outro tanto sonhos bons; de sol, de sorrisos, de conquistas.
Mas nesse sono longo faltava o que antes era fundamental. Em dias como hoje não falta, se quisermos ser rigorosos, nem é tão fundamental; foi deixando de ser. No entanto, os dias como hoje fazem parecer que as peças se encaixam melhor, que o ar se respira melhor, que há uma certa calmaria em todas as coisas.
Queria dizer-lhe, por isso, se um dia como hoje fosse um dia como antes, muito mais coisas do que os dias de hoje permitem. Na verdade, nem sequer faria sentido dizer hoje coisas destas. Mas num recanto guardado do que transportamos sempre connosco - com mais ou menos leveza - haveria muito para lhe dizer.
Mas nesse sono longo faltava o que antes era fundamental. Em dias como hoje não falta, se quisermos ser rigorosos, nem é tão fundamental; foi deixando de ser. No entanto, os dias como hoje fazem parecer que as peças se encaixam melhor, que o ar se respira melhor, que há uma certa calmaria em todas as coisas.
Queria dizer-lhe, por isso, se um dia como hoje fosse um dia como antes, muito mais coisas do que os dias de hoje permitem. Na verdade, nem sequer faria sentido dizer hoje coisas destas. Mas num recanto guardado do que transportamos sempre connosco - com mais ou menos leveza - haveria muito para lhe dizer.
quarta-feira, junho 08, 2016
Dois passos atrás
Há semanas que são longas. Quando se está desempregada, o tempo passa a ser uma coisa ainda mais curiosa e instável do que o normal. Na verdade, as semanas costumam parecer, simultaneamente, muito lentas porque não temos nada para fazer, e muito rápidas porque não tivemos que contar os dias com a ânsia de chegar ao fim-de-semana ou à folga.
No entanto, elas são inevitavelmente mais dolorosas. Digo isto com a franqueza de alguém que detesta acordar cedo e que combatia estoicamente o relógio a cada manhã para ir trabalhar quando o fazia. Com a honestidade de alguém que tinha um emprego mal pago e de querer arrancar a cabeça a cada segundo. Mesmo assim, estar desempregada é infinitamente mais doloroso.
No entanto, elas são inevitavelmente mais dolorosas. Digo isto com a franqueza de alguém que detesta acordar cedo e que combatia estoicamente o relógio a cada manhã para ir trabalhar quando o fazia. Com a honestidade de alguém que tinha um emprego mal pago e de querer arrancar a cabeça a cada segundo. Mesmo assim, estar desempregada é infinitamente mais doloroso.
terça-feira, maio 31, 2016
Fadas madrastas
Desde cedo percebemos como funciona o modelo familiar e quem é a nossa família. Na escola, desenhamos muitas vezes a nossa casa: nós, os nossos pais, o cão, o piriquito, e quem sabe o brinquedo favorito (isto para os que desde pequenos demonstram talento para as artes plásticas, claro - o que não foi o meu caso).
Chama-se a isto o núcleo familiar, como sabem. Depois há o resto da família, que pode ou não ser fácil de compreender. Como, durante a minha infância, ia todos os verões à aldeia que viu o meu pai nascer, e lá todos são "tios" e "primos", a família do meu pai tinha a dimensão daquela terra. A da minha mãe era mais circunscrita, embora haja familiares no Fundão, pelo que continuava a não haver um limite que pudesse esclarecer quem era sangue do meu sangue e quem não era.
Com o tempo, clarificamos estas margens, o que não quer necessariamente dizer que o sangue mais próximo signifique família mais próxima. Por outro lado, nasce em nós a curiosidade de perceber quem são os nossos antepassados e os antepassados deles, e sentimos um laço indestrutível entre nós e essa gente que existiu um dia e que nunca poderíamos ter chegado a conhecer.
Chama-se a isto o núcleo familiar, como sabem. Depois há o resto da família, que pode ou não ser fácil de compreender. Como, durante a minha infância, ia todos os verões à aldeia que viu o meu pai nascer, e lá todos são "tios" e "primos", a família do meu pai tinha a dimensão daquela terra. A da minha mãe era mais circunscrita, embora haja familiares no Fundão, pelo que continuava a não haver um limite que pudesse esclarecer quem era sangue do meu sangue e quem não era.
Com o tempo, clarificamos estas margens, o que não quer necessariamente dizer que o sangue mais próximo signifique família mais próxima. Por outro lado, nasce em nós a curiosidade de perceber quem são os nossos antepassados e os antepassados deles, e sentimos um laço indestrutível entre nós e essa gente que existiu um dia e que nunca poderíamos ter chegado a conhecer.
sexta-feira, maio 13, 2016
Sexta 13 de boa sorte
Não é todos os dias, neste país habituado a más notícias vindas dos seus governos ou do seu Parlamento , que nos surpreendemos. Não é todas as sextas-feiras 13 que o assunto que mais nos marca não são os festejos em Montalegre - aos quais, por infortúnio da vida, ainda não consegui ir!!!
Hoje, na Assembleia da República, foi aprovada a lei de alteração à Procriação Medicamente Assistida (PMA) no que à sua abrangência diz respeito. Ao contrário do que acontecia até aqui, este procedimento passa a estar disponível para todas as mulheres, independentemente do seu estado civil ou orientação sexual. Acabam os limites para uma opção que só era possível para mulheres heterossexuais, casadas ou em união de facto há pelo menos dois anos e inférteis.
Hoje, na Assembleia da República, foi aprovada a lei de alteração à Procriação Medicamente Assistida (PMA) no que à sua abrangência diz respeito. Ao contrário do que acontecia até aqui, este procedimento passa a estar disponível para todas as mulheres, independentemente do seu estado civil ou orientação sexual. Acabam os limites para uma opção que só era possível para mulheres heterossexuais, casadas ou em união de facto há pelo menos dois anos e inférteis.
quinta-feira, abril 21, 2016
#WhatYouDontSee
Cruzei-me há umas horas com uma publicação no facebook sobre este hashtag no twitter. Dezanove tweets acerca de como é viver com depressão. O que figura na imagem da partilha chamou-me logo a atenção, que, traduzido, diz: "Quando deixo cair uma meia e começo a chorar. Acontece".
Sorri. Pensei nas inúmeras vezes em que simples tarefas como vestir-me, pentear-me, ou arrumar alguma coisa podem fazer-me chorar. São demasiadas, e nunca me habituo. Há dois anos decidi enfrentar o medo do diagnóstico e voltei a procurar a psiquiatria. Em 2008 já tinha tomado medicação para uma ligeira depressão, que em poucos meses deixei. Fui no máximo a duas consultas e nunca mais me aborreci com isso.
Sorri. Pensei nas inúmeras vezes em que simples tarefas como vestir-me, pentear-me, ou arrumar alguma coisa podem fazer-me chorar. São demasiadas, e nunca me habituo. Há dois anos decidi enfrentar o medo do diagnóstico e voltei a procurar a psiquiatria. Em 2008 já tinha tomado medicação para uma ligeira depressão, que em poucos meses deixei. Fui no máximo a duas consultas e nunca mais me aborreci com isso.
quarta-feira, abril 13, 2016
As nossas ruas
Enquanto olhava pelo vidro do autocarro a caminho do centro da cidade, pensava como era bom reconhecer as ruas por onde passamos. Sem dúvidas, de cor, canto a canto. Recordava-me, também, da sensação de ter vivido noutra cidade, noutro país, e de como as suas ruas me faziam sentir. E quão diferentes podem ser dois sentimentos que produzem, no fundo, a mesma emoção.
Às vezes, ao atravessar uma passadeira quase sem fim em Londres, sentia o peito encher-se de algo inexplicável. Eu, bracarense nascida e criada, dezoito anos, atravessava com os meus pés ruas que dantes via apenas em imagens, em livros, revistas ou na televisão. Estava lá, fazia parte daquela gigante britânica, tinha uma rotina, ia ao supermercado e tinha a chave que abria uma casa.
A urgência de conhecer o mais possível e de me orientar no meio de uma confusão brutal era um assombro. Ao mesmo tempo, a sensação de sermos tão pequenos no mundo fazia-me sentir que tudo era mesmo possível na vida: um dia na Avenida Central, no dia seguinte em Trafalgar Square. Ser pequena e insignificante naquela cidade não me fazia sentir desanimada; pelo contrário, fazia-me sentir parte de um mapa infinito, com todas as possibilidades em aberto.
Às vezes, ao atravessar uma passadeira quase sem fim em Londres, sentia o peito encher-se de algo inexplicável. Eu, bracarense nascida e criada, dezoito anos, atravessava com os meus pés ruas que dantes via apenas em imagens, em livros, revistas ou na televisão. Estava lá, fazia parte daquela gigante britânica, tinha uma rotina, ia ao supermercado e tinha a chave que abria uma casa.
A urgência de conhecer o mais possível e de me orientar no meio de uma confusão brutal era um assombro. Ao mesmo tempo, a sensação de sermos tão pequenos no mundo fazia-me sentir que tudo era mesmo possível na vida: um dia na Avenida Central, no dia seguinte em Trafalgar Square. Ser pequena e insignificante naquela cidade não me fazia sentir desanimada; pelo contrário, fazia-me sentir parte de um mapa infinito, com todas as possibilidades em aberto.
domingo, abril 10, 2016
Espaços vazios
Passam dias e dias e quanto menos perspectivas se avizinham mais difícil é ter esperança na esperança. Explico. Isto de termos objectivos e sabermos lutar por eles, e todas essas tretas que nos impingem na escola e na vida, não resultam grande coisa quando chega a altura de as aplicar.
De novo desempregada, o sentimento que mais me assola é o vazio de todos os espaços, de todas as coisas, em mim e fora de mim. A falta de respostas às inúmeras candidaturas espontâneas ou respostas a anúncios. O desrespeito pelas capacidades que cada um tem para oferecer e a procura incansável (nossa) pelo emprego certo para as nossas medidas e (deles) pelo candidato robôt perfeito para atingir os objectivos estrategicamente delineados e que são avaliados - hoje mais que nunca, e cada vez mais - de forma quantitativa.
De novo desempregada, o sentimento que mais me assola é o vazio de todos os espaços, de todas as coisas, em mim e fora de mim. A falta de respostas às inúmeras candidaturas espontâneas ou respostas a anúncios. O desrespeito pelas capacidades que cada um tem para oferecer e a procura incansável (nossa) pelo emprego certo para as nossas medidas e (deles) pelo candidato robôt perfeito para atingir os objectivos estrategicamente delineados e que são avaliados - hoje mais que nunca, e cada vez mais - de forma quantitativa.
sexta-feira, fevereiro 26, 2016
Ternos afagos
Zeca Afonso - Quanto é doce
A minha mãe nasceu hoje há alguns anos antes do que eu. Não interessa bem quantos, já que só há quase vinte e oito a conheci. E mais uns meses, só nossos, em que cresci e ocupei todo o espaço que ela tinha para me dar. E acabei por ocupar tanto que, para mim, ela é assim, toda ela, minha mãe.
A minha mãe nasceu hoje há alguns anos antes do que eu. Não interessa bem quantos, já que só há quase vinte e oito a conheci. E mais uns meses, só nossos, em que cresci e ocupei todo o espaço que ela tinha para me dar. E acabei por ocupar tanto que, para mim, ela é assim, toda ela, minha mãe.
terça-feira, fevereiro 02, 2016
Nuvem portátil
Hoje, ao contrário do que tem sido habitual, precisei de vir a correr sentar-me no sofá com o laptop no colo e escrever. Sei que o público deste meu sítio é muito resumido, e nada regular - tal como os meus registos. Mas hoje, nem sei bem porque motivo, precisava de escrever isto, nem que fosse num diário (que nunca na vida mantive), e este blog acaba por se assemelhar a um.
Há uns tempos que o meu quotidiano é acompanhado por uma nuvem portátil, muito escura e muito feia, muito pesada e muito detestável. Daquelas que preferíamos que não funcionasse fora de casa, para a podermos guardar num canto qualquer para que ninguém se cruzasse com ela; ou até deitá-la fora. Desde há não sei quanto tempo (porque não sei mesmo dizer) que vivo com uma depressão.
Reparem que não disse que vivo com mimo, ou com preguiça, ou com stress, ou com tristeza...Vivo com uma doença mental que, embora se assemelhe a tudo o que descrevi, se diferencia pelo facto de ser patológica e exigir tratamento, como qualquer outra. É com agrado que acompanho várias tentativas de explicar esta doença, para que a sociedade a possa encarar como ela é, e não com os trajes de mito que costumam acompanhar o seu rótulo.
Há uns tempos que o meu quotidiano é acompanhado por uma nuvem portátil, muito escura e muito feia, muito pesada e muito detestável. Daquelas que preferíamos que não funcionasse fora de casa, para a podermos guardar num canto qualquer para que ninguém se cruzasse com ela; ou até deitá-la fora. Desde há não sei quanto tempo (porque não sei mesmo dizer) que vivo com uma depressão.
Reparem que não disse que vivo com mimo, ou com preguiça, ou com stress, ou com tristeza...Vivo com uma doença mental que, embora se assemelhe a tudo o que descrevi, se diferencia pelo facto de ser patológica e exigir tratamento, como qualquer outra. É com agrado que acompanho várias tentativas de explicar esta doença, para que a sociedade a possa encarar como ela é, e não com os trajes de mito que costumam acompanhar o seu rótulo.
segunda-feira, janeiro 18, 2016
Sem palavras não se escrevem poemas
Há dias em que queremos dizer mas não temos o quê.
Por isso cantamos. Ou, antes, ouvimos e cantamos com o coração.
Diabo na Cruz - Luzia (acústico)
Um para esta versão, nunca zero - mesmo gostando muito da original também
Por isso cantamos. Ou, antes, ouvimos e cantamos com o coração.
Diabo na Cruz - Luzia (acústico)
Um para esta versão, nunca zero - mesmo gostando muito da original também
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