quinta-feira, abril 21, 2016

#WhatYouDontSee

Cruzei-me há umas horas com uma publicação no facebook sobre este hashtag no twitter. Dezanove tweets acerca de como é viver com depressão. O que figura na imagem da partilha chamou-me logo a atenção, que, traduzido, diz: "Quando deixo cair uma meia e começo a chorar. Acontece".

Sorri. Pensei nas inúmeras vezes em que simples tarefas como vestir-me, pentear-me, ou arrumar alguma coisa podem fazer-me chorar. São demasiadas, e nunca me habituo. Há dois anos decidi enfrentar o medo do diagnóstico e voltei a procurar a psiquiatria. Em 2008 já tinha tomado medicação para uma ligeira depressão, que em poucos meses deixei. Fui no máximo a duas consultas e nunca mais me aborreci com isso.





Até há dois anos. Não sei dizer quando comecei a sentir-me um pedaço inútil de alguma coisa sem matéria, porque já me arrastava pelas esquinas há muito mais tempo do que este de que falo. Este etiqueta temporal serve para a primeira consulta nesta fase, e a altura em que voltei a ser medicada - aliados comprimidos que, dois anos volvidos, ainda não larguei, nem conto largar tão rápido.

Esta parte médica, científica, medicada, é - ao contrário do que pode parecer - muito difícil de aceitar. Uma coisa é sabermos identificar um ou outro sintoma, um ou outro sentimento. Uma coisa é chorarmos por tudo e por nada, termos medo de perder todas as pessoas de quem gostamos, viver em paranóia com os olhares e comportamentos dos outros. Tudo isto é, entenda-se, terrível. Mas perceber que faz parte de uma doença que tem que ser devidamente acompanhada e tratada não é fácil de assimilar. Ou pelo menos para mim não foi.

O estigma que rodeia a depressão e os distúrbios de ansiedade é tanto que eu própria me reprimo muitas vezes por estar, no fundo, a fazer algo tão simples como curar uma constipação. Ou tratar. Porque às vezes duvido que consiga encontrar alguma vez a cura para o que carrego comigo. Mas passado o preconceito, ou o trabalho para o combater, fica tudo o resto.

Muito para além das dezanove descrições no twitter. Mas é curioso como uma doença com tantas implicações emocionais, sentimentais, e físicas, com tantas demonstrações que se torna, por vezes, difícil descrever, pode unir quem a tem em descrições que parecem copiadas da nossa vida.

Perdi a conta aos exemplos que podia dar para este hashtag, e por isso nem sei o que escolheria primeiro. Há sempre algumas sensações com as quais nos identificamos mais, dependendo das nossas experiências, mas o sentimento geral é mesmo o que ali se descreve. Sentimento geral esse que é mais do que a soma de todos os episódios das nossas vidas, mas que é feito também desses pequenos momentos que ninguém que não tenha passado por isto consegue imaginar ou, de facto, ver.

Bem sei que muitos poderão continuar a não acreditar, ou achar que é uma desculpa para a preguiça, ou para a fraqueza de espírito, mas houve manhãs em que abria os olhos e o meu corpo estava paralisado na cama. Tentar mexer o braço ou a perna para me levantar significava sentir o corpo todo dormente, o peito apertado, tonturas e falta de ar. O coração a disparar no peito e nos ouvidos. Pânico. Vergonha. Dormir era a única solução.

Os meus amigos continuam a reclamar quando não atendo o telefone, e continuo sem conseguir explicar o quão difícil é, às vezes, pegar no telemóvel e fazer deslizar o verde para ouvir uma voz do outro lado. Pode ser um desconhecido ou a minha melhor amiga: a ansiedade é igual. Porquê? Não sei. Por norma coincide com os dias em que não saio do meu sofá e agradeço que ninguém fale comigo, para não ter que descer à realidade nem lidar com nada mais do que o nada, precisamente.

Podia continuar até ao infinito, com relatos mais ou menos dolorosos, mas guardarei os outros para outra altura. Para quando deixar cair uma meia e me chorar.

Zero para a depressão; Um para o combate exaustivo que é enfrentá-la a cada dia

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