terça-feira, fevereiro 02, 2016

Nuvem portátil

Hoje, ao contrário do que tem sido habitual, precisei de vir a correr sentar-me no sofá com o laptop no colo e escrever. Sei que o público deste meu sítio é muito resumido, e nada regular - tal como os meus registos. Mas hoje, nem sei bem porque motivo, precisava de escrever isto, nem que fosse num diário (que nunca na vida mantive), e este blog acaba por se assemelhar a um.

Há uns tempos que o meu quotidiano é acompanhado por uma nuvem portátil, muito escura e muito feia, muito pesada e muito detestável. Daquelas que preferíamos que não funcionasse fora de casa, para a podermos guardar num canto qualquer para que ninguém se cruzasse com ela; ou até deitá-la fora. Desde há não sei quanto tempo (porque não sei mesmo dizer) que vivo com uma depressão.

Reparem que não disse que vivo com mimo, ou com preguiça, ou com stress, ou com tristeza...Vivo com uma doença mental que, embora se assemelhe a tudo o que descrevi, se diferencia pelo facto de ser patológica e exigir tratamento, como qualquer outra. É com agrado que acompanho várias tentativas de explicar esta doença, para que a sociedade a possa encarar como ela é, e não com os trajes de mito que costumam acompanhar o seu rótulo.



Mas não vos escrevo para vos moralizar nem doutrinar, até porque nem formação teria para o fazer de uma forma séria e objectiva; afinal, sou apenas uma paciente. Estou devidamente medicada, com um anti depressivo e um ansiolítico, que faço religiosamente todos os dias excepto quando acaba e me esqueço de ir à farmácia (infelizmente nunca consigo estar mais de três dias sem nenhum, já que as tonturas e as náuseas causadas pela falta do primeiro ou o acumular de ansiedade que, por norma, acaba num mini surto semi-psicótico pela falta do último não mo permitem). Vai fazer dois anos em Abril, justamente, que fui à primeira consulta com a minha psiquiatra e que re-comecei medicação anti depressiva.

Certo. Na verdade, já tinha sido medicada anos antes, entre 2008 e 2009, não sei precisar, e acompanhada por um outro psiquiatra. Mas acabei por deixar a medicação, por vontade própria e sem qualquer tipo de desmame, provavelmente porque considerei que não precisava mais. O curioso deste processo, que não posso garantir que tenha sido contínuo ou não, é que me tornei quase bastante preconceituosa relativamente à depressão e ao devido tratamento.

Talvez por isso tenha, desta vez, demorado tanto a procurar ajuda médica. Até se tornar evidente que, por mais contradições que se encontrem na vida - e encontramos tantas -, por mais expectativas defraudadas e dias cinzentos que possamos todos ter, não é de todo normal viver com o peso e a angústia que alguém depressivo tem que viver. Hoje, quase dois anos volvidos desde o início da medicação, posso assegurar que o que sinto no dia-a-dia nada tem a ver com aquele buraco negro.

De qualquer forma, embora me sinta muito mais estável e bastante equilibrada, sei que continua a haver dias mais complicados, que exigem um esforço sobre humano para ultrapassar. Aqui entra, claro, a enorme força de vontade que é preciso ter para dar combate a esta doença - como, de resto, é necessária para tudo na vida. Mas desenganem-se mesmo os que acham que ela bastaria para curar qualquer pessoa: se há certeza que tenho é que, sem o acompanhamento psiquiátrico que procurei, e sem o devido tratamento químico, não estaria hoje capaz de distinguir, sequer, o que seria essa tal força de vontade, quanto mais usá-la para meu benefício.

Durante os últimos anos, foram muitos os dias em que não saí da cama, em que perdi a vontade de fazer fosse o que fosse, em que atafulhei os meus sentimentos com comida (a depressão não é a minha única doença, pasmem-se, sofro também de obesidade e ainda de asma alérgica!) e em que as expectativas de ter uma vida normal foram extraordinariamente reduzidas.

Com o tempo, e com o tratamento, fui sendo capaz de relativizar determinados sentimentos e de gerir um pouco melhor as expectativas gerais que tenho quanto à minha vida. Fui aprendendo a largar as memórias do passado, mesmo as boas, para me obrigar a não viver numa constante comparação com os momentos em que hoje, à distância, percebo que fui sinceramente feliz, e para não carregar tanto peso de todos os erros e infortúnios que somei à minha história.

Assim, consigo hoje concentrar-me um pouco mais no que a realidade tem de concreto, no presente, e sem me iludir nem assustar demasiado com o futuro. É a gestão mais difícil que tenho que fazer, com tudo o que isso envolve, desde o pânico de pensar na morte, ao medo da solidão, e a inúmeros aspectos que por vezes tentam ocupar todos os cantos do meu cérebro e que vou conseguindo contrariar.

O que significa que, mesmo diagnosticada e tratada, esta nuvem ocupa demasiado espaço. Talvez hoje me tenha apetecido escrever sobre ela para ver se ela de distrai e diminui um pouco mais. Não tenho a certeza se algum dia ela desaparecerá por fim ou não, sendo que sou descendente de familiares com depressões crónicas, mas também consegui aprender nos últimos meses que há coisas que dependem mesmo das opções que fazemos.

Nesse sentido, como tenho conseguido optar por colocar os óculos de ver bem sempre que analiso a minha vida, ao mesmo tempo que tenho vindo a encontrar rotinas e momentos que me fazem sentir muito confortável, calma, e feliz, desde um bom jantar com bons amigos, à paz do meu quarto silencioso enquanto leio um livro, sem esquecer seguir as séries da TV que me ajudam a descansar a cabeça e, muito recentemente, exercício físico e uma alimentação mais variada e equilibrada para me ajudar a controlar mesmo tudo o que preciso - e não deixar que as pizzas e os chocolates sejam substitutos do tratamento -, consigo imaginar que talvez chegue o dia em que possa ver a nuvem de longe, a desintegrar-se no éter.

Zero para a deprê; Um para quem a combate

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