Desde cedo percebemos como funciona o modelo familiar e quem é a nossa família. Na escola, desenhamos muitas vezes a nossa casa: nós, os nossos pais, o cão, o piriquito, e quem sabe o brinquedo favorito (isto para os que desde pequenos demonstram talento para as artes plásticas, claro - o que não foi o meu caso).
Chama-se a isto o núcleo familiar, como sabem. Depois há o resto da família, que pode ou não ser fácil de compreender. Como, durante a minha infância, ia todos os verões à aldeia que viu o meu pai nascer, e lá todos são "tios" e "primos", a família do meu pai tinha a dimensão daquela terra. A da minha mãe era mais circunscrita, embora haja familiares no Fundão, pelo que continuava a não haver um limite que pudesse esclarecer quem era sangue do meu sangue e quem não era.
Com o tempo, clarificamos estas margens, o que não quer necessariamente dizer que o sangue mais próximo signifique família mais próxima. Por outro lado, nasce em nós a curiosidade de perceber quem são os nossos antepassados e os antepassados deles, e sentimos um laço indestrutível entre nós e essa gente que existiu um dia e que nunca poderíamos ter chegado a conhecer.
Mas na verdade o que me traz a este texto são mais as surpresas que a vida nos traz do que as histórias que gostávamos de ver escritas sobre a nossa origem. Todas estas noções e sensações de família são mutáveis, no entanto, por norma, achamos que a não ser que haja bebés envolvidos, ela não cresce mais do que isso.
A minha vida provou que não é nada assim que as coisas se passam. Em primeiro lugar, porque desde cedo, durante o período de socialização secundária, fazemos amigos para a vida, que se tornam uma espécie de família; e durante a vida toda, felizmente, vamos tendo a capacidade de fazer mais família por essa via. Mas também não era esta a surpresa a que me referia.
A surpresa é quando o núcleo familiar cresce, esse que é a família de todos os dias, do quotidiano. No meu caso, desde o divórcio dos meus pais, que este núcleo tomou uma figura um pouco diferente do que tomara até aí. O meu núcleo de quotidiano passou a ser com o meu pai e o meu gato, dado que deixei de viver com a minha mãe. Escusado será dizer que mãe é mãe e pai é pai para sempre: esse núcleo dentro do núcleo (o mais primário) é insubstituível e imutável.
No entanto, a vida trouxe-me uma madrasta. Verdade! Escrevo-o sem pudor nenhum do termo, até porque ele vale o que quisermos que ele signifique. Nos contos de fadas as madrastas nunca são muito bem vistas, e talvez isso nos tenha trazido a todos o imaginário de que elas têm que ser sempre más e semi-bruxas. E talvez algumas sejam - como também há mães e pais por aí que não mereciam o carinho com que por norma nos referimos a este grau de parentesco.
No meu caso, saiu-me na rifa mais uma fada madrinha do que uma madrasta. Mais uma fada madrasta! Como todas as posições no núcleo familiar, esta não substitui nenhuma outra, como também não substitui o papel de irmão, nem amiga, nem sobrinha, nem primo, nem nada. Tem um papel específico.
Um papel que se torna, sem darmos por ela, insubstituível também. Não tenho nenhum desenho com ela, mas sei que ela está lá. Está lá para se orgulhar de mim como se fosse filha dela, e está aqui para me puxar as orelhas sempre que necessário também. Está cá para amar o meu pai e o fazer um homem feliz - o que, na verdade, ganha logo milhões de pontos - mas sei que também está cá para e por mim.
Sem sangue e sem obrigações morais, sem histórias da infância mas com a consistência de família na mesma. Sem esforço, sem imposição, tão natural quanto família mesmo. Tão natural que passa a estar na nossa vida sem perguntas, sem hesitações, sem termos que pensar duas vezes. A vida às vezes é madrasta; outras vezes traz-nos uma fada madrasta para ser mais fácil encarar os nossos medos. Simple as that.
Um ponto para ela, que fez anos ontem e ficou - posso assegurar-vos mesmo sem a ter visto - mais nova!
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