sexta-feira, agosto 26, 2016

O som dos grilos

Há-os tranquilos, pacíficos. Há-os agitados, com horas insuficientes. Há-os pacatos, preguiçosos. Há-os felizes, esperançosos. Há-os também tristes, abandonados e sem brilho nos olhos. Assim são os dias, no geral, numa soma desigual que acumula muitos meses e, num sopro, alguns anos.

Costumo pensar muitas vezes na noção do tempo e no diferente tratamento que lhe damos. Depende do estado de espírito, e do estado de cabeça. Quando somos novos, com o mundo à nossa espera, cheios de coisas por inventar, é penoso perceber que dez anos parecem demorar uma vida inteira.

Mas os dez a seguir já demoram metade do tempo, e já há uns anos que entendi que a terceira parte é a que custa mais. Para mim, esta terceira fase foi, ao mesmo tempo, imperceptível e, no geral, em tom de balanço, extremamente aborrecida.

É verdade que lembro momentos e estações inteiras que me trouxeram muitas aventuras e sorrisos, que me fazem voltar à ideia de que vivo presa no passado para sempre, porque só consigo absorver por completo as experiências olhando-as depois, como se fizesse uma revisão para colocar tudo no devido sítio.



Só que adoro reabrir todas as gavetas de vez em quando e saborear as memórias todas - mesmo as mais penosas. Provavelmente em dias como hoje, que não têm tempo, só um sabor amargo, tendo a recapitular todos os fracassos e tudo o que ficou pelo caminho.

Engraçado como deixamos tanto de nós para trás sem querer e depois não sabemos voltar àquele momento exacto em que seria possível escolher outro sentido, que nos levasse para outros lados. Talvez porque não seja suposto voltar atrás mesmo, apenas enfrentar os cruzamentos mais à frente e fazer novas escolhas. 

Tenho a perfeita noção que começo a parecer autora de livros de auto-ajuda nesta fase, só que o que precisava era de um mapa riscado, com direcções assinaladas e que me fizesse ter esperança na viagens que faltam fazer.

Há-os assim, tristes. Em que nem o som dos grilos em noite estrelada e fresca me consegue embalar o coração. Em que olhar para o meu gato, cheio de pelo e amor e de uma inconsciência tão plena dos problemas mundanos que chega a fazer doer a alma - quem sabe por inveja - me faz marejar os olhos. O mesmo para a notícia do casal de idosos que teve que ser separado por não ter lugar no mesmo lar. O mesmo perante a ideia de um futuro tão castrado que nem acredito ser o meu.

Zero. Muito redondo e absoluto.


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