Claro que tinha que arranjar uma boa desculpa para não cumprir nada do que me propus a fazer. Zero de disciplina (quanto a isso posso adiantar já o valor na escala deste assunto!). Mas, a meu favor, tenho uma dura e longa campanha eleitoral às costas.
Se da última vez que vos escrevi vos dava nota de escrever uma ou outra nota de imprensa (passe a repetição), posso agora confirmar que foram centenas desde Julho até ao início deste mês. Para além das centenas de visitas a hospitais, escolas, associações desportivas e agrícolas, produções de vinho e de leite, feiras semanais, feiras do gado e da terra e de artesanato, mercados...E entretanto não consigo nomear mais nenhuma área em específico porque a minha cabeça dá um nó sempre que o tento fazer. Claro que não faltaram empresas - com muitos ou poucos trabalhadores a sair e a entrar, outras que encerraram portas com salários em atraso.
De entre tudo, o que incompatibilizou as visitas e as notas de imprensa e este blog foi mesmo o ritmo alucinante com que, no decorrer de uma campanha (e pré campanha, pois se foi desde Julho), se fazem estas centenas de acções. Verdade. É de uma dureza atroz, mas, no caso da campanha para a qual escrevinhei tantas notas de imprensa, não pode nunca ser de outra forma. As notas de imprensa nem sempre são publicadas, se não foram elas não existe cobertura mediática destas centenas de acções e as televisões tendem a fugir para o único modelo em que sabem trabalhar durante qualquer campanha eleitoral: um modelo bafiento, que diz muito pouco sobre o que interessa e incide muito mais nas caras, nos olhos, nas questões demagógicas e nas não-questões das forças políticas que se candidatam.
Meses depois, chegamos aqui, então: de volta. De volta ao tempo todo do mundo para vos escrever e para passar das notas de imprensa para os currículos e as pesquisas no google. É certo que é duro trabalhar semanas seguidas sem ter tempo para parar um dia, mas é muito mais duro (e nunca vos deixem convencer do contrário) olhar para centenas de ofertas de emprego que incidem todas sobre as mesmas áreas (aquelas que já conhecemos, com contratos precários, salários baixos, e muitas dores de cabeça).
Passar por este processo deixa qualquer ser humano feito num oito. Num frangalho. Ao mesmo tempo que ouvimos tantas aventesmas dizer que só está desempregado quem quer, que há mais emprego, que não falta quem queira empregar não sei quantos para roçar mato, que é preciso sujeitar-nos ao que for necessário para ganhar um salário (não importa qual), deparamo-nos com os nossos sonhos a fugir, o esforço que fizémos em tentar deixar a cabeça de fora em vão, a nossa força a esvair-se a cada oferta ofensiva de emprego que nos surge perante os olhos, a cada dia que passa de incerteza e de medo e de ansiedade e de "o que é que que eu fiz para merecer isto".
Recordamos quanto éramos jovens, estudantes, com tantas incertezas sobre o que estudar a seguir, o que fazer, e com tantas promessas de que podíamos ser quem quiséssemos, podíamos estudar o que gostássemos, para depois nos explicarem que não é bem assim. Ou que, aliás, é assim porque façamos o que façamos, não depende de nós o nosso futuro. Quão frustrante é não depender de nós o nosso futuro? Nestes dias, sempre que me deito na minha maravilhosa e confortável cama, que tenho graças ao futuro concretizado do meu pai (tão cedo não se deverá ao meu), abro os olhos e fito a parede, a pensar no que será de mim daqui a uns anos. Patético, parece, mas assustador. Há exactamente dez anos fazia o mesmo exercício, mas com uma leveza de alma invejável: afinal, tinha toda a vida pela frente, todos os sonhos por conquistar. Hoje, o peso é tão grande que não sei como adormeço a seguir: faltam três para a meta dos trinta, e não tenho nada de concreto para mostrar.
Tenho as minhas aprendizagens, as minhas pequenas conquistas e as minhas grandes derrotas, é certo. Milhares de histórias para contar e para escrever. Mas não tenho um emprego, não tenho sequer uma carteira profissional, não tenho descendência nem previsão dela, não tenho um tostão que seja, de facto, meu (o que está na minha conta bancária não pode ser considerado, de tão ridículo!). Tenho uma dúzia de arrependimentos e de "e ses", mas não tenho nenhuma certa. Vinte e sete anos e não tenho uma única certeza, para além da angústia que ocupa os meus dias. Não sei sequer responder o que sou profissionalmente; porque o que fiz profissionalmente não é o que quero ser profissionalmente, porque o fiz para sobreviver, para arrancar a minha vida. Não quero ser uma assistente de apoio a cliente, porque não é isso que me define. Mas também não sou jornalista - aliás, estou cada vez mais longe de o ser - e provavelmente, se tudo correr bem e conseguir um emprego em breve, poderei ser assistente de loja. Ou outra coisa qualquer que, por menos preconceito que tenha acerca, não foi nunca o que escolhi para me definir profissionalmente.
Na verdade, tudo o que me define são matérias não palpáveis, e que nada têm a ver com nenhuma categoria profissional. Mas como não sou como o Relvas, a quem a experiência de vida dá equivalência a cursos superiores, nem sequer posso pensar em adequar o meu trajecto a outra área de formação qualquer, porque também não tenho direito para me formar seja no quer for. Apresento-me perante vós, assim, carregada de uma licenciatura na área com que mais me identifico, mas sem hoje corresponder a nada do que sou, e com um peso enorme nas costas, de não saber quando começa a minha vida, ao mesmo tempo que percebo que já começou há muito e ainda não tive oportunidade de a apreciar entre todo o medo e toda a apreensão.
De um a zero: menos cinquenta.
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