No mês de Abril, e a propósito de alguns artigos de opinião que partiram da mesma temática numa revista que estive ainda agora a ler, fiquei com vontade de partilhar uma ideia sobre a liberdade de expressão e, ainda, sobre os novos paradigmas do significado que imprimimos à linguagem que utilizamos.
É verdade que a liberdade de expressão nos permite tirar muito mais partido da nossa língua, e até ajudar a inventá-la, com novos usos, costumes e significados. Contribuímos, todos os dias, com o que dizemos e escrevemos para aumentar significativamente os nossos dicionários. Introduzimos, inclusivamente, novas palavras no vocabulário português, que aportuguesámos ou que criámos, enquanto convenção social - ou de língua.
O mesmo se passa com a apropriação do espaço público de comentário através das redes sociais, onde os filtros a que antigamente estávamos habituados a recorrer se redefinem ou desaparecem, em muitos casos, por completo. Usamos as nossas páginas pessoais como se de uma publicação de uma revista ou jornal se tratassem, onde podemos esgrimir todos os argumentos que nos pareçam possíveis, sem direito ao contraditório e com um manancial de seguidores que concordam connosco (graças aos algoritmos com que, por exemplo, o Facebook funciona).
Este "espírito livre" da opinião peca, a meu ver, por excesso. O que não quer dizer, evidentemente, que sou contra a liberdade de expressão. Temo é que estes conceitos se baralhem muito nos tempos modernos, em que discordar de alguém se torna, de forma automática, num atentado à sua liberdade de expressão. Aliás, observo ainda que a maior parte de quem "puxa do galão" se refere a ele até como "a minha liberdade de expressão"! Ora, a liberdade de expressão não é uma coisa que possa ser apropriada. É um direito que pode e deve ser exercido e, consequentemente, respeitado e defendido.
Assim sendo, custa-me muito que se repitam vezes sem fim os benefícios da liberdade de expressão quando nem sequer se sabe muito bem do que se está a falar e/ou quando a liberdade de expressão é vista como uma coisa que "nós" temos, e não como algo que se conquistou para "todos". Isto porque dizer o que nos apetece, só porque podemos fazê-lo, não consiste, propriamente, num usufruto muito digno deste direito. Refiro-me, claro, aos momentos em que, em determinados contextos, usamos a "liberdade de expressão" como chapéu para as mentiras ou os insultos com que presenteamos todos quantos discordam de nós, em especial quando sabemos que não vamos ser confrontados.
O direito a informar e a ser informado - uma espécie de parente da liberdade de expressão que, de tão parecido, ninguém fala porque se acha que é o mesmo - fica posto em causa sempre que a obsessão pelo "clique" e pelo "viral" ultrapassa em larga escala a rectidão, a investigação e a confirmação dos factos que se disparam sobre todos os assuntos e mais alguns. E se, em alguns casos, as consequências disto são diminutas, o mesmo não acontece quando nos referimos a temáticas que dizem respeito a todos e que mereciam uma "reflexão conversada", que seria o mesmo que dizer que precisavam de contribuir para a reflexão ao invés de incendiar tudo à volta e não acrescentar nada.
Da interpretação individualista e abusiva deste termo salto para outros sentidos dados à linguagem, que tantas e tantas vezes, do uso corrente, nos fazem perdem a noção do poder das palavras e da escolha das mesmas no nosso discurso. Isto levar-nos-ia a uma discussão bastante extensa e que provavelmente nos dividiria em "puristas do sentido" ou rigorosos de um lado e liberais do outro, pelo que deixo apenas a reflexão de que é preciso, de entre o uso regular e cada vez mais rápido e irreflectido que damos à linguagem, parar de vez em quando para revisitar significados e decidir se estamos prontos para abdicar deles em nome da "leveza" ou se, por outro lado, preferimos manter alguma rigidez que determinados contextos exigem, a bem da liberdade de expressão e de informação.
Não requer classificação.
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